Embora seja responsável por alimentar um sexto da população global (BBC, 2020), o Brasil, então considerado o celeiro do mundo, vem convivendo com o crescimento de sua insegurança alimentar, a qual drasticamente vem forçando milhares de famílias brasileiras a viverem sob a miséria e a fome. Mas você deve estar se perguntando, “como um país que alimenta um sexto da população global possuí famílias que ainda passam fome”?
O “boom” no preço do arroz neste ano retomou as discussões sobre a segurança alimentar nacional, quando um país descuida-se, ou então a ignora, faz com que o “fantasma” da insegurança alimentar retorne a assombrar milhares de pessoas. De acordo com Belik (2003), o termo “segurança alimentar” teria surgido durante a Primeira Guerra Mundial. Nesse período, os Estados passaram a atentar para possíveis bloqueios em seu abastecimento e produção alimentar, por parte de Estados inimigos, o que levaria a colapsos e crises internas, bem como o seu enfraquecimento no conflito. Nesse sentido, países passaram a incluir em suas discussões não somente a sua seguridade bélica, mas também a alimentar. O termo “insegurança alimentar” está ligado à escassez, dificuldade de acesso ou má distribuição de alimentos em determinada localidade, região ou país. Segundo dados divulgados recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2020), cerca de 10,3 milhões de brasileiros moram em domicílios com insegurança alimentar grave.
O país que havia saído do Mapa da Fome das Nações Unidas em 2014, após remover 14 milhões de pessoas da desnutrição, retornou ao mesmo em 2017, quando cerca de 11,7 milhões de brasileiros passaram a apresentar vulnerabilidade alimentar (VARGAS, 2018). Uma série de políticas desastrosas dos dois últimos governos têm contribuído para o aumento desse crescente número, no entanto, os desmontes propiciados pelo governo atual e a defesa de um Estado mínimo defendido pelo mesmo, vem acentuando cada vez mais a insegurança alimentar das famílias brasileiras.
A crise econômica somada aos recorrentes cortes em programas sociais, têm contribuído para o aumento da desnutrição no país, e tende a aumentar ainda mais com a crise sanitária pela a qual passamos. De fato, enquanto um dos países mais desiguais do mundo insistir em políticas que acentuam a desigualdade e privilegia certos interesses, ainda haverá pessoas passando fome, e retornando ao arroz, grão básico que compõe nossas refeições diárias, continuará escoando para ‘fora de casa’ como diversos outros alimentos básicos, atendendo a segurança alimentar de outros Estados em troca da insegurança alimentar nacional.
Em suma, o Estado deve atentar para a adoção de medidas que possibilitem uma distribuição de renda mais justa, para que as famílias tenham acesso a uma alimentação saudável e de qualidade, bem como o fortalecimento de políticas de fomento aos pequenos agricultores e a agricultura familiar, a qual esta última, de acordo com Gomes (2020), é a responsável por produzir 70% dos alimentos que consumimos internamente, e por empregar 75% dos trabalhos no campo. A adesão de uma renda admissível e a produção de alimentos reais, resultarão, agregados a outras medidas possíveis, na diminuição do número de brasileiros que acordam sem saber se terão ao menos, uma refeição durante o dia.
Referências:
BELIK, Walter. Perspectivas para segurança alimentar e nutricional no Brasil. SP. Saúde e Sociedade v.12, n.1, p.12-20, jan-jun 2003.
GOMES, Ciro. Projeto Nacional: o dever da esperança. São Paulo: LeYa, 2020. 272 p.
IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 10,3 milhões de pessoas moram em domicílios com insegurança alimentar grave. Agência IBGE Notícias, 2020. Acesso em 10 de out. de 2020. Disponível em https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/28903-10-3-milhoes-de-pessoas-moram-em-domicilios-com-inseguranca-alimentar-grave
SENRA, Ricardo. Como o mesmo Brasil que alimenta 1 bilhão ultrapassou 10 milhões de famintos 'dentro de casa'? BBC, 2020. Acesso em 10 de out. de 2020. Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-54288952
VARGAS, André. A volta da fome. ISTOÉ, 2018. Acesso em 10 de out. de 2020. Disponível em https://istoe.com.br/a-volta-da-fome/
Escrito por: Guilherme Schmeling¹
¹ Tecnólogo em Produção de Grãos pelo Instituto Federal Farroupilha e graduando em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Maria.
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